A Ética do Desejo e a Covardia
Moral
Carlos Eduardo Leal
Resumo
O objetivo deste trabalho é
pensar como o sujeito pode se deixar subsumir pelas intempéries da vida que
ocasionam a angústia. A culpa como correlato da angústia é o que leva o ser
humano a ter, não um comportamento ético nas suas ações, mas sim justo o contrário
que é a covardia moral. A angústia do ponto de vista clínico, pode ser um bom
balizador para situarmos no mundo moderno, a ética do desejo na vida em comum.
Resumé
Cet article a le but de penser
comment le sujet peut se laisser anéanti par les conditions, le plus lourdes,
de la vie qui font produire l’ angoisse. La culpe comme correlatif de l’
angoisse, c’ est ce qui méne l’ être humain a avoir, pas une coduite éthique
dans ses actions, mais, par contre, elle fait le sujet vivre la lâcheté moral. L’
angoisse, du point de vue clínique, peut être un baliseur de bonne qualité,
pour situer dans le monde moderne, l’ éthique du désir dans la vie cotidienne.
Tudo o que se procura, será descoberto.
Édipo Rei - Sófocles
Encruzilhada a céu aberto
Na encruzilhada de uma decisão,
frente a uma escolha sempre presente, sempre recomeçada, a vacilação do sujeito
põe em causa a constelação do seu desejo. Cometa alucinado a cruzar os céus do
imaginário aflitivo e pessoal de cada um, o desejo inconsciente deixa como
rastro na poeira de sua cauda, a insatisfação pela sua não realização. O brilho
fálico do desejo, vislumbrado na negritude do firmamento, impõe ao sujeito uma
espécie de obrigatoriedade em deter o que não se captura; o infinito deslizar
metonímico deste cometa-desejo.
Em sua laboriosa fantasia o
neurótico sonha iludido em realizá-la. O desejo inconsciente irrompe como um
clarão que parece profanar o que até então era cegueira provocada pela
opacidade da própria vida. Telescópio em punho, alinhado com a aparente previsibilidade
do surgimento do desejo, ledo engano pois este surge de onde o sujeito menos
espera e, invariavelmente, ele é tomado pelo efeito de surpresa, ou como Freud
falou sobre o caso Emma, ´a emoção do susto`.[1] A imprevisibilidade do advento
do desejo é correlata à abertura na vida humana da dimensão sexual, que se
traduz como uma experiência daquilo que não cessa de não se inscrever: o real
traumático.
Alinhado com as esperanças
nutridas através das galáxias da linguagem, o sujeito ilude-se ao pensar que
poderá sair em sua vida da posição de impossibilidade - como é o caso da
neurose obsessiva - ou da posição de insatisfação - como é o caso da histeria -
bastando para isto que ele realize e satisfaça o seu desejo. A esperança aqui
se traduz em temor pela incerteza diante do futuro. A promessa de felicidade
aparece como o sol que surge no horizonte das incertezas depois de uma noite de
trevas. Só que na noite, tinha-se muitas estrelas e não se sabia qual seguir.
Agora, durante o luzeiro, apenas uma para projetar a esperança porém, com a
condição de não olharmos para ela, ou melhor dizendo, para ele, o sol. Esta parece ser a fonte dos enganos na vida
do homem comum. Manter a esperança sobre algo que na verdade ele jamais poderá
olhá-la de frente sob a pena da cegueira, tal como Édipo, Creonte e outros que
ousaram saber toda a verdade.
Na encruzilhada de uma decisão,
atualmente apela-se aos astros com a falsa esperança de evitar o encontro com a
tragédia do desejo. No mapa astral, pode-se olhar os astros sem o temor de que
sejam por eles cegados. Porém, a verdadeira cegueira advém através do
encobrimento da palavra que ao privilegiar o destino, retira do sujeito a
responsabilidade sobre o seu desejo. Quando entregamos ao Outro o fardo da
nossa causa é bem provável que encontremos o alívio, com um preço a pagar por
isto que é o de não termos acesso à verdade.[2]
O desejo não pode se consumar
numa tragédia. A dimensão trágica é quando dele não queremos saber e supomos
que poderemos viver nesta insciência. O alerta dado pelo inconsciente tem a
serventia para que possamos dele desfrutar e não para que fiquemos atrelados à
um usufruto, este gozo de puro sofrimento.
O analista é aquele que vive o
presente no passado e traz o passado para o presente. Tal como as estrelas,
cujo brilho que nos chega de um passado longínquo atualizado no presente. O céu
do analisante é seu inconsciente onde existem alguns buracos negros através dos
quais até a luz é puxada para dentro. Dentro desta alegoria espacial, podemos
também dizer que a interpretação analítica é um verdadeiro meteoro cuja cauda
deixa rastros na vida do sujeito. Ou ainda, que a interpretação é uma estrela
cadente que por sua velocidade e clarão impostos, não dá chance ao sujeito de
fazer um pedido como se faz popularmente, enfim, de fazer uma demanda.
A interpretação não visa à
demanda, mas sim ao desejo. A interpretação faz furo no céu do desejo
inconsciente. A interpretação abre um real de espanto onde o sujeito pode ver
uma constelação de pensamentos que apesar de serem dele, não se sabia da sua
existência. A análise produz dia, luz, clarão radiante onde tudo era noite
sombria na vida do analisando.
Mas a análise traz também em seu
bojo, a noite e suas sombras quando o brilho excessivo do real acaba por
produzir uma cegueira insuportável. A análise produz a sucessão dos dias –
travessia - reproduzindo a vida dentro da vida, a morte dentro da morte, mas
também a vida dentro da morte e seu reverso, isto é, a morte no interior da
vida.
A análise permite a abertura do
céu do inconsciente para o próprio analisante. O descortinar de um véu, produz
a possibilidade de um percurso nunca antes transcorrido. Percurso difícil onde
por vezes parece um céu infinito noutras um dia claro e em outras ocasiões,
parece não haver caminho possível para
se trilhar. Deste lugar sem saída, desta posição de desterramento insuportável
tal como um fora de casa, fora de seu ethos, surge a dimensão de algo que não
engana: a angústia.
"É necessário para ser feliz você suportar uma anormalidade. Uma anormalidade é aquilo que nos destaca do grupo. E suportar o destaque 'non facile'. Por isso que eu insisto que o problema na vida é a inteligência, a beleza, é o charme... São todas as coisas boas. Porque todas as merdas são solidárias" (Jorge Forbes)