O SIGNO, O SIGNIFICANTE E O SIGNIFICADO


Significantes e Significados


"Meu dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem não é do campo da lingüística. " JACQUES LACAN.

Todos os Créditos de Pesquisa para Nadiá Paulo Ferreira Doutora em Letras; Psicanalista do Corpo Freudiano do Rio de Janeiro - Escola de Psicanálise; Professora titular de Literatura
Portuguesa da Uerj.



"No início dos anos 50, a psicanálise, enquanto "método de verdade e de desmistificação das camuflagens subjetivas" (LACAN, 1998, p. 242), estava sendo transformada em uma prática que tinha como finalidade a adaptação do indivíduo ao meio social, desviando-se, assim, da pedra angular dos fundamentos de Freud: o conceito de inconsciente e a teoria sobre a sexualidade. Jacques Lacan, então, aparece com uma proposta de reflexão, a partir de uma nova ciência, a fim de que a experiência psicanalítica seja reconduzida à fala e à linguagem: "A lingüística pode servir-nos de guia neste ponto, já que é esse o papel que ela desempenha na vanguarda da antropologia contemporânea, e não poderíamos ficar-lhe indiferentes." (LACAN, 1998, p. 286) Em função desta proposta, Jacques Lacan se apropria de uma série de termos lingüísticos, com indicações das fontes e com homenagens: Ferdinand de Saussure, o fundador da Lingüística, e Roman Jakobson, um dos fundadores do grupo dos Formalistas Russos (1915-1920) e um dos mais importantes participantes do Círculo Lingüístico de Praga (1926). O objetivo deste artigo é demonstrar que Lacan se apropriou de alguns conceitos lingüísticos, ao invés de importá-los. O trabalho de reconstrução desses conceitos orientou, durante trinta anos, seu projeto de ensino: a releitura dos textos freudianos para salvaguardar a "deterioração do discurso analítico" (LACAN, 1998, p. 245) e para desenvolver o axioma de que o inconsciente é estruturado como linguagem. O SIGNO, O SIGNIFICANTE E O SIGNIFICADO Em "A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud" (LACAN, 1957/1998),para demonstrar que o inconsciente é estruturado como linguagem, Lacan, ao mesmo tempo em que se apropria do conceito de significante formalizado por Saussure, subverte-o.
 Para Saussure, o signo é produto da articulação de duas instâncias: o significante e o significado.
O aprisionamento do significante à ordem do significado transparece, nitidamente, na sua concepção de signo: "o signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica" (SAUSSURE, s.d., p.80). É por acreditar na reciprocidade biunívoca entre significante e significado que Saussure irá procurar as leis que dariam conta da articulação entre essas duas instâncias. E se nada encontra, a arbitrariedade passa a ser um dos princípios que rege o signo lingüístico: "a idéia de `mar' não está ligada por relação alguma interior à seqüência de sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem por outra seqüência, não importa qual; como prova, temos as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes". (SAUSSURE, s.d., p. 81-82) Para definir a arbitrariedade do signo,1 Saussure lança mão de uma metáfora surpreendente: a língua é uma "carta forçada" (SAUSSURE, s.d., p. 85).Para ele, uma das funções da língua é a ligação de uma imagem acústica (massa sonora constituída por fonemas) a uma imagem mental (significado). Lacan, ao ler a teoria sobre o valor do signo verbal, tanto na versão de Sechehaye e Bally,2 quanto nas fontes manuscritas reunidas por Robert Godel, conclui que não há relação entre significante e significado. Apesar de Saussure (e também os lingüistas que o sucedem) não abandonar a correspondência entre significante e significado, não há dúvida de que, ao abordar a questão do valor, ele não só privilegia o significante em detrimento do significado, mas também faz questão de diferenciar o significante da imagem acústica: o significante, "em sua essência, (...) não é de modo algum fônico; é incorpóreo, constituído, não por sua substância material, mas unicamente pelas diferenças que separam sua imagem acústica de todas as outras" (SAUSSURE, s.d., p. 137-138). Lacan descarta a concepção saussuriana de signo e elabora uma teoria do significante, que tem como ponto de partida o seguinte algoritmo: S/s. O próprio Lacan indica a leitura que deve ser feita do seu algoritmo: "significante sobre significado, correspondendo o `sobre' à barra que separa as duas etapas" (LACAN, 1998, p. 500). Levar em conta esse traço, dando-lhe valor de barra, implica privilegiar a pura função do significante em detrimento da ordem do significado. O que isso significa? A estrutura do significante se caracteriza pela articulação e pela introdução da diferença que funda os diferentes. Uma série de conseqüências é produzida, separando os campos da lingüística e da psicanálise:3 1. O privilégio do significante em detrimento do significado. 2. O significante é puro non sense e não tem relação com o significado, o que equivale a dizer que o significante não significa nada ou pode significar qualquer coisa. 3. A oposição entre significante e significado marcada pela barra coloca o significável4 submetido ao significante. 4. O que faz parte da própria estrutura do significante é a conexão com outros significantes formando uma cadeia: "O significante como tal não se refere a nada, a não ser que se refira a um discurso, quer dizer, a um modo de funcionamento, a uma utilização da linguagem como liame" (LACAN, 1982, p. 43). 5. Só pode haver articulação entre os significantes porque eles podem ser reduzidos a puros elementos diferenciais. 6. A organização dos significantes se faz através de duas operações, que são as mesmas da linguagem: condensação (Verdichtung) e deslocamento (Verschiebung), cujos efeitos são a metáfora e a metonímia. 7. A ordem do significado é efeito da cadeia do significante e, justamente por isto, é na cadeia do significante que o sentido insiste. A significação não está, portanto, em nenhum elemento particular da cadeia. O deslizamento incessante do significado sob o significante, por ação do inconsciente, não quer dizer que não haja a prevalência de um sentido em jogo. Lacan faz questão de pontuar que seria um erro "pensar que a significação reina irrestritamente para-além. Pois o significante, por sua natureza, sempre se antecipa ao sentido, desdobrando como que adiante dele sua dimensão" (LACAN, 1998, p. 505).
É precisamente no significável que se engendra a paixão pelo significado. A fascinação por certas metáforas cristaliza o sentido, emperrando o deslocamento (Verschiebung) metonímico dos significantes na cadeia.
Do congelamento do significante nasce não só a paixão pelo sentido que, inevitavelmente, surge sob a forma de um bem como ideal, mas também o aprisionamento do sujeito ao gozo retirado desse sentido cristalizado, obstaculizando o processo de significação e a posição do sujeito em relação ao desejo. 8. A articulação significante não se produz sozinha, é necessário que haja um sujeito. O significante só pode passar para o plano da significação porque há um sujeito operando a cadeia do significante. Essa relação do sujeito com o significante é denominada de relação fundamental. Na versão do Curso de Lingüística Geral, precisamente no capítulo sobre o valor do signo lingüístico, o significante não se confunde com os fonemas. Ao contrário deles, como já assinalamos anteriormente, ele não tem nem forma nem substância. Essa diferença entre significante e imagem acústica (um conjunto articulado de fonemas) deve ser bem enfatizada, para que não ocorra a adulteração do ensino que Saussure exerceu com tanto rigor na Universidade de Genebra. Os fonemas não são a variedade modulatória dos sons. Um fonema é um som único, cujos traços distintivos marcam a sua diferença em relação a outras unidades mínimas de som. Outras características básicas dos fonemas para Saussure poderiam ser resumidas: 1. O seu número é limitado e sua quantidade varia de uma língua para outra. 2. São formas regidas por leis de um sistema fechado que fazem parte da estrutura de uma língua. 3. São de natureza auditiva e por isto têm as mesmas características do tempo: cada fonema representa uma extensão que só é mensurável numa dimensão. Os fonemas assim definidos são o suporte material do significante. A materialidade do significante determina outra lei que rege o signo lingüístico: o princípio de linearidade. Essa lei é o limite que o significante verbal recebe do tempo, ou seja, só se pode falar uma palavra de cada vez, uma depois da outra. Os traços diferenciais que comparecem numa imagem acústica são a sua face significante. E imagem acústica é a massa sonora produzida pela combinação de fonemas. A palavra dia, por exemplo, se opõe à palavra noite, não só pelo seu significado, mas sobretudo porque sua imagem acústica é diferente de noite e de todas as outras imagens acústicas da língua portuguesa. A diferença significante é o que Saussure denomina de oposição por negatividade. Se Lacan toma emprestado de Saussure o conceito de significante para romper com a tradição estruturalista, é óbvio que uma nova concepção de signo terá lugar no seu pensamento. Signo é o que representa algo para alguém. O signo não implica o aparecimento do significado, porque colocar em cena um sentido é função do significante. No Seminário 9, L'identification (1961-1962, inédito), Lacan diferencia o signo do significante da seguinte forma: a pegada de um passo diante de Robinson Crusoé tem valor de signo, porque representa para ele alguma coisa com valor de símbolo, podendo lhe dar significantes. Justamente por isto, ele pode chegar à conclusão de que não está só na ilha. A distância entre este signo (pegada) e o que advém como instrumento da negação (não estou só) são os dois extremos da cadeia. É entre estas duas extremidades que o sujeito pode surgir, já que seu aparecimento está sempre ligado a uma pulsação em eclipse:o que comparece numa fala para desaparecer e de novo reaparecer. Símbolo, aqui, deve ser entendido não como significado, mas alguma coisa com valor de signo, isto é, com valor de dons. "Pois esses dons já são símbolos, na medida em que símbolo quer dizer pacto e em que, antes de mais nada, eles são significantes do pacto que constituem como significado: como bem se vê no fato de que os objetos da troca simbólica — vasos feitos para ficar vazios, escudos pesados demais para carregar, feixes que se ressecarão, lanças enterradas no solo — são desprovidos de uso por destinação, senão supérfluos por sua abundância." (LACAN, 1998, p. 273) Os primeiros atos e os primeiros objetos de uma criança engendram, nesse sentido, símbolos (signos) com valor de dons.
Na constituição de um símbolo, o que está em jogo é um conceito. É o conceito que engendra a coisa, e não o contrário. O conceito é a própria coisa, o que implica dizer que a coisa se reduz ao nome. É porque houve a produção de símbolos com valor de dons que haverá o ingresso no mundo das palavras, onde será criado o mundo das coisas.
 O famoso exemplo do neto de Freud5 ilustra bem o que seria esse ingresso no mundo das palavras, onde se cria o mundo das coisas. No jogo do carretel, as palavras balbuciadas (fort / da) já se organizam em torno do par presença e ausência. Diacronicamente, temos as leis da linguagem concretizadas numa determinada língua. Sincronicamente, temos o jogo do carretel, seguido de duas palavras, indicando a aquisição pelo sujeito do par opositivo de fonemas que recebe de sua língua materna. É a assimilação da estrutura sincrônica que indica a integração do sujeito na diacronia. Mas essa brincadeira com o carretel implica a destruição do objeto, uma vez que consiste em fazê-lo aparecer e desaparecer. Essa destruição do objeto indica o desaparecimento do sujeito (afânise), já que ele se toma como objeto, indicando assim o modo pelo qual se realiza a primeira manifestação do símbolo. Diz Lacan: "o símbolo se manifesta inicialmente como assassínio da coisa, e essa morte constitui no sujeito a eternização de seu desejo" (LACAN, 1998, p. 320). É na alternância de presença e ausência que temos a constituição de traços que, para Lacan, são o rastro de um nada em torno do qual se engendra o sentido. É no uso de uma língua que se abre para o sujeito a possibilidade de múltiplas substituições e combinações, que irão determinar o seu destino e revelar, em uma análise, a sua posição na fantasia.
 A LINGUAGEM Assim como Lacan se apropriou do significante saussuriano, fará o mesmo com a concepção de linguagem, identificando as origens do estruturalismo no formalismo russo.
 Roman Jakobson, no texto "Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia",7 define a linguagem a partir de duas operações, que presidem todo ato de fala: a seleção e a combinação. Essas operações engendram uma série de procedimentos comuns em todas as línguas:

  •  1. A seleçãode palavras e de outras entidades linguísticas se realiza através de associações feitas por identidade (semelhança) e por oposição (diferença). Essas relações de associação são chamadas de similaridade. Seleção e substituição "são as duas faces de uma mesma operação" (JAKOBSON, s.d., p. 40). 
  •  2. A combinação de unidades linguísticas já selecionadas cria um contexto, estabelecendo um modo de organização, em que a posição de um significante em relação aos outros determina a produção do sentido. Essas relações de concatenação são chamadas de contiguidade. Combinação e contextura "são as duas faces de uma mesma operação" (JAKOBSON, s.d., p.40). Essas duas operações de linguagem engendram dois eixos e dois processos: 

 1. Os eixos do paradigma (seleção / substituição / relações de similaridade) e do sintagma(combinação/ contextura / relações de contiguidade);
 2. Os processos metafórico e metonímico.  A metáfora se produz pelas relações de similaridade assim como a metonímia pelas relações de contiguidade. Jakobson, quase no final do seu artigo, se refere ao trabalho de Freud sobre os sonhos, identificando as relações de contiguidade com a transferência metonímica e com a condensação sinedóquica e as relações de similaridade com a identificação e o simbolismo. Lacan, interpretando Jakobson, define a metáfora e a metonímia como sentidos figurados, que se originam das operações de substituição (metáfora) e de combinação (metonímia) e estabelece as seguintes correspondências com Freud: a metáfora com a condensação e a metonímia com o deslocamento. Para Lacan, ao contrário de Jakobson, não há metáfora sem metonímia e vice-versa.8 Toda metonímia é efeito de uma operação metafórica interrompida por ação do recalque, assim como toda metáfora é efeito de uma operação metonímica. Essa sobredeterminação se sustenta na produção de uma metáfora inaugural, que é a base, o suporte, dessas duas técnicas do significante, que são a metáfora e a metonímia. O Nome-do-Pai, como o "significante que representa a existência do lugar da cadeia significante como lei" (LACAN, 1999, p. 202) é o agente dessa operação.
Esse significante é transmitido pelo desejo da mãe: "A ausência da mãe ou sua presença oferecem à criança — colocada aqui como termo simbólico, não se trata do sujeito —, pela simples introdução da dimensão simbólica, a possibilidade de ela ser ou não uma criança demandada." (LACAN, 1999, p. 284) Eis uma das faces da castração: Nome-do-Pai, sintoma, sujeito barrado e desejo se constituempela inauguração da primeira metáfora. Entretanto, o desejo, depois de constituído pelo representante do Outro, ou seja, pelo desejo da mãe enquanto portadora do Nome-do-Pai, isto é, da Lei, só pode se manifestar pela via da metonímia.
 Outra distinção fundamental em relação à linguística diz respeito à função da linguagem. Enquanto para a linguística a função da linguagem é a comunicação, para a psicanálise é a evocação. A fala como ato de discurso, e não como ato de fonação, implica sempre dirigir uma mensagem para alguém, demandando uma resposta. Neste sentido, é através da fala que se realiza a função da linguagem.
Toda fala se caracteriza pelo aqui-e-agora, inscrevendo-se na sincronia, isto é, no eixo das simultaneidades, das relações entre elementos coexistentes, em que se exclui a intervenção do tempo. Mas a fala como ato de discurso apresenta também uma textura do significante e, como tal, se inscreve na diacronia, isto é, no eixo das sucessões, no qual se inclui a intervenção do tempo e as transformações.
 Se na fala como ato de discurso se realiza o entrecruzamento da sincronia com a diacronia, cabe, então, perguntar o que para a psicanálise é o discurso? É o efeito da articulação entre língua e linguagem e, como tal, é trans-individual. É nesse sentido que o inconsciente é o discurso do Outro.
O inconsciente participa do Outro, enquanto lugar de engendramento do discurso, do sujeito e do desejo. Há, portanto, um discurso que circula e que antecede a constituição de qualquer sujeito.
Esse discurso, que o sujeito recebe do Outro, irá fazer parte de sua história. É justamente por isso que o sujeito recebe sua mensagem de forma invertida.
 A liberdade de todo sujeito está demarcada pelo limite imposto pelas leis da linguagem e por um discurso que irá inscrevê-lo no desejo do Outro (desejo da mãe enquanto portadora do Nome-do-Pai).
 O inconsciente não está alhures, ele se situa no mesmo lugar dos significantes (lugar do Outro). E, justamente por isto, podemos defini-lo como uma cadeia de significantes que se repete e insiste em interferir no discurso. O inconsciente é o que comparece na fala como dito que escapa à intenção do dizer e o que estrutura os processos de elaboração onírica, fazendo com que o sonho se apresente para seu autor como enigma a ser decifrado. Nesse sentido, o inconsciente é a outra cena desse Lugar (Outro) em que se produz uma escrita."
                                               
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